segunda-feira, 6 de junho de 2011

Biossegurança sob o Aspecto Jurídico

ESTERILIZAÇÃO DAS PEÇAS DE MÃO

“INCENTIVANDO A CONSCIENTIZAÇÃO – CUIDADOS QUE TORNA O PROFISSIONAL ESPECIAL”


Mesmo sendo preconizada, nos Manuais de Biossegurança, a esterilização das peças de mão, antes de cada atendimento, ainda é um protocolo não observado por grande parte dos profissionais da área odontológica.
Este fato, além de expor a saúde dos profissionais e dos pacientes ao risco de contaminação, pode acarretar sérios envolvimentos de responsabilização dos profissionais de odontologia em processos judiciais.


DENTISTAS E CLIENTES NO MUNDO GLOBALIZADO

O que se observa, é que na mesma proporção em que os profissionais de odontologia buscam aprimorar seus conhecimentos técnico-científicos, pesquisando e participando de cursos e congressos nacionais e internacionais, os seus clientes têm, cada vez mais, acesso às informações de toda ordem, através das facilidades oferecidas pelo mundo da informática.
Não bastasse isso, atualmente, a oferta de serviços odontológicos aumentou consideravelmente. Em setembro/2010, temos 37.865 Cirurgiões-Dentistas nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (dados estatísticos do CFO, em 01/09/2010) e, não raro, o cliente pode deixar de frequentar o seu dentista conhecido para buscar outro profissional que lhe ofereça maior segurança, não só no que diz respeito à possibilidade de obter um resultado tecnicamente melhor, como encontrar um ambiente clínico que ofereça maior proteção à sua saúde.

RELEMBRANDO AS NORMAS VIGENTES

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso III, diz que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
De onde se conclui que, existindo normas que regulem a atividade odontológica, estas devem ser seguidas com absoluto rigor, a fim de permitir que o profissional exerça sua atividade com tranquilidade e segurança.
Além do Código de Ética Odontológica (CEO), Manual da ANVISA e Manuais de Biossegurança, os profissionais de odontologia devem observar os ditames do Código de Defesa do Consumidor (CDC), Código Civil (CC) e Código Penal (CP), como a seguir se ressaltam os principais pontos, a saber:

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Um dos direitos básicos do consumidor (cliente) é a “proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de serviços considerados perigosos ou nocivos.” (CDC, art. 6º, inciso I, grifo nosso).

“O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança.” (CDC – art., 10).

Pode-se extrair a idéia de que, se as peças de mão não estão esterilizadas para cada atendimento, em razão disso, o consumidor poderá estar exposto a uma infecção por micro-organismos patogênicos. Nesse caso, o profissional poderá vir a responder pelos danos que tal prática causar ao consumidor.

Quando no art. 14, § 4º diz que “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”, traz em seu bojo a própria definição de Falha Odontológica,  por ser esta:  um erro de conduta, onde o agente não pretendia o resultado danoso, mas agiu com Negligência, Imperícia ou Imprudência, que são caracterizadores daCULPA”.

Por definição, NEGLIGÊNCIA é:

·  Omissão do agente no desenvolvimento de determinado ato;
·  Falta de observância aos deveres que as circunstâncias exigem.
 
Voltando ao foco desta matéria, o fato das peças de mão deixarem de ser esterilizadas pelo profissional, seja ele o Auxiliar de Saúde Bucal (ASB) ou o próprio Cirurgião-Dentista (CD) e,  considerando que nessas condições essas peças se tornam fonte de infecção, restará caracterizada a situação de CULPA, por NEGLIGÊNCIA. 

CÓDIGO CIVIL

“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (CC, art. 186).

Complementa, dizendo que, toda pessoa que causa dano à outra, fica obrigada a repará-lo (CC, art. 927). Se esse dano afetar a capacidade de trabalho, a indenização incluirá pensão (CC, art. 950).

Até aqui, verifica-se a necessidade de haver o nexo causal (vínculo entre a conduta ilícita e o dano) entre a culpa e o agente, entre o dano e a falha odontológica.

CÓDIGO PENAL

Já na esfera Criminal, está classificado como crime: “expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente”, atribuindo-se a pena de detenção de três meses a um ano (CP, art. 132).

Aqui, não se questiona se o cliente foi contaminado ou não. O simples fato de o profissional expor a saúde do cliente ao risco de infecção cruzada, por não ter esterilizado as peças de mão, já caracteriza crime.

CÓDIGO DE ÉTICA ODONTOLÓGICA

Dentre as determinações contidas  no Código de Ética Odontológica,  ZELAR pela SAÚDE dos pacientes, bem como, PROMOVER A SAÚDE COLETIVA no desempenho de suas funções, constituem DEVERES FUNDAMENTAIS dos cirurgiões-dentistas e outros profissionais de odontologia (CEO, art. 5 º, incisos V e VII).

MANUAL DA ANVISA

No tocante a Precauções-Padrão e Riscos Ocupacionais, define como preocupações-padrão as “medidas de prevenção que devem ser utilizadas independente de diagnóstico confirmado ou presumido de doença infecciosa transmissível no indivíduo-fonte.”(p. 39)

Um dos Riscos Ocupacionais a que a equipe odontológica pode estar exposta é a exposição a agentes mecânicos ou que propiciem acidentes. Dentre os mais frequentes, são citados os instrumentos com defeito ou impróprio para o procedimento. (p.43)
Neste caso, pode-se entender que as peças de mão não esterilizadas são impróprias para o procedimento.

Como Procedimento para Minimizar o Risco Mecânico ou de Acidente, é necessário “manter instrumentais em NÚMERO SUFICIENTE e com QUALIDADE para o atendimento aos pacientes.” (p. 44, grifo nosso).

Neste caso, o número mínimo para que o cirurgião-dentista possa ter as peças de mão esterilizadas para cada atendimento, é de três jogos, considerando um intervalo de 01 hora entre cada atendimento. Entenda-se por jogo 01 turbina de alta rotação e 01 contra-ângulo. Enquanto, o profissional utiliza um jogo de peças de mão, um segundo jogo passa pelo processo de esterilização, enquanto que, um terceiro jogo, já esterilizado, fica disponível para o atendimento seguinte. O fato de estarem esterilizadas mostra a qualidade das peças para o atendimento.

O Manual da ANVISA, traz a confirmação, através de trabalhos de avaliação que a possibilidade de contaminação, sendo preconizada a reutilização de peças de mão somente após procedimentos de limpeza e ESTERILIZAÇÃO, A CADA USO.(p.91)

Diante de todas as normas citadas, persiste a pergunta que não quer calar:

POR QUE NÃO É FEITA A ESTERILIZAÇÃO DAS PEÇAS DE MÃO ANTES DE CADA ATENDIMENTO????????

Dois motivos são mais citados pelos profissionais de odontologia:

1)   a esterilização danifica as peças;
2)   o processo de esterilização envolve alto custo.

Ambos motivos citados são mitos, senão vejamos:

1)   O que pode danificar as peças no processo de esterilização, não é o processo em si, mas sim, a falta de lubrificação das peças antes de ser submetida à esterilização.

Neste item, se faz mister ressaltar que o lubrificante utilizado fará muita diferença no resultado final. Por sua composição, é mais recomendado o lubrificante que, além da ação lubrificante do óleo, possua ação detergente. A lubrificação deve ser feita antes da autoclavagem.

Cabe salientar, aqui, que há, no Brasil, peças de mão que duram 1.000 ciclos de esterilização, e outras, com durabilidade de 250 ciclos. Após esse número de ciclos, não necessariamente, o cirurgião-dentista precisará descartar suas peças. Poderá se valer do serviço de assistência técnica para efetuar a manutenção necessária.

2)   Com relação ao custo, no quadro abaixo, estão discriminados todos os produtos utilizados num ciclo de esterilização e seus respectivos valores.

O Total obtido foi de R$ 3,53. Considerando-se que após 10.600 ciclos a autoclave não será descartada, da mesma forma que a turbina e contra-ângulo não o serão após os 1.000 ciclos, esse total será, ainda, menor. 

À luz da verdade, o profissional de odontologia, optando por introduzir em seu dia-a-dia o protocolo de esterilização das peças de mão, estará prestando um serviço revestido de maior segurança para si próprio e para seus pacientes.



Referências Bibliográficas:
- Constituição da República Federativa do Brasil
- Código Civil
- Código Penal
- Código de Defesa do Consumidor
- Código de Ética Odontológica
- Manual Anvisa 2006 – Serviços Odontológicos, Prevenção e Controle de Riscos
- O que é Nexo Causal – www.jurisway.org.br
- Dados Estatísticos Conselho Federal de Odontologia www.cfo.org.br
- Mitos e Verdades – Agente K – KaVo


 
Ana Cristina Siedschlag


Um comentário:

  1. Olá Tilim!
    Que maravilha isto! Termos consciência das coisas é a maneira melhor de podermos dar os passos para uma qualidade de vida melhor - para o profissional, a qualidade da prestação do serviço com garantia de maior segurança certamente lhe trará o reconhecimento de sua qualificação como profissional; para nós,clientes, a tranquilidade de podermos contar com um serviço seguro para nós e os que amamos, fará toda a diferença ao escolhermos o profissional,que corresponda com nosso desejo de sermos bem atendidos.Outro dia fui fazer um orçamento num consultório,de onde saí para não mais voltar,devido à aparência relaxada do mesmo e à sujeira no chão. Imagino como estariam os instrumentos! Simplicidade num consultório nunca deveria ser sinônimo de relaxamento.
    Penso que muitos profissionais acharão que a economia na compra do material e no processo de esterilização será um motivo para continuarem a proceder sem os devidos cuidados. Compreendo isto, pois todos nós em nossas áreas estamos preocupados com valores de custo/benefício.Porém, me pergunto o que lhes custará,e a seus pacientes, quando tiverem de enfrentar um processo por conta de problemas de saúde causados por este atendimento sem o respeito devido às técnicas corretas de esterilização. E se hoje são conhecidas, é importante que sejam divulgadas e estudadas.Acredito então que este é um serviço que seu site presta a ambos, esclarecendo e proporcionando possibilidade de caminharmos para um atendimento que beneficie a profissionais e clientes.
    É sempre bom fazermos o melhor que pudermos e nos orgulhar de nosso trabalho, não é mesmo?
    Parabéns e obrigada por estes esclarecimentos.
    Beijos, Vera Alvarenga.

    ResponderExcluir